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Mostrando postagens de julho, 2010

Apoteose

ao som de Spacemen 3 Começa escuro. Eu andava apreensivo, sem muita paciência para ver filmes inteiros. Andei deixando a cama pela madrugada e o sono pela metade; os cafés-da-manhã intactos e os da tarde mordiscados levemente; as piadas no silêncio, completo. Os pensamentos longe disso, num monólogo insistente. Andei abandonando ideias na lixeira do meu cubículo, dando voltas mais longas com meu cachorro como pretexto para a ausência, esquecendo-me de carregar o celular; esquecendo de carregá-lo comigo. Um amigo havia indicado. Amigo? Estive a perambular pelas noites até eventualmente deparar-me com um alguém que parecia tão ou mais perdido do que eu. Acho que isto é motivo para considerá-lo um amigo, faz com que a gente se sinta melhor, ainda que o interesse fosse tão pouco. Nesses casos, quando se foge de casa para tomar um ar, opta-se por respirar, não existe nenhuma semelhança entre você e qualquer coisa ao seu redor; não há ligações com o mundo exterior! Nesses cas

Oração à lua

Oração à lua Ó lua, dar-te-ei fermento para que cresças rapidamente. Que pule de fases, torne-te plena, cheia, como estas pupilas que ocupam todos meus olhos. Que teu despertar cega-me, ofusca esta visão embriagada, faz-me ansioso, homem de cinco sentidos, incompleto. Lua, dar-te-ei fermento pela luz. Que de perdido vou a crente na imagem de São Jorge. Que sinto-me capaz quando reconheço o dragão ajoelhado. Dar-te-ei fermento, lua, para estar iluminado, para ser gênio. Distancia-me, pois, de confrarias, mais ávidas do que herméticas. Faz-me, portanto, detentor do conhecimento, confidencia-me segredos, ergue-me diante aos demais, “homens de bem”. Fermento, pelo instinto. Que me põe frente a frente à minha sombra como nem o espelho. Coloca-me diante do lobo, que tanto temo. E no entanto, lua, lobo sou eu. Sou eu quem uivo noite afora. Por ti.

De verão

Tinha uma flor nos cabelos e as roupas imundas. Era verão e isto justificava tudo: o vestido leve, a alegria presente no cotidiano, as brincadeiras e a correria das crianças. As nuvens se apresentavam como zoológico e a grama como berço para a imaginação: que se deitava ali e passava as tardes a observar o céu e sentir a brisa apalpar-lhe o corpo. E se perdia em pensamentos que quase se esquecia de olhar de hora em hora os meninos: serenos em seu mundo à parte. O pé às vezes molhado pelas fontes que espirravam água repentinamente ou pelo bebedouro que era quase como uma atração turística. As mãos sujas, assim como as roupas, tudo bem, isso já era rotina. Mas a flor não combinava. Não adiantava, a flor era muito radical! Os cabelos que a sustentava eram rebeldes, se lançavam ao vento junto ao vestido. E os olhos se fechavam numa expressão quase sublime, mas a flor permanecia intacta. Talvez fosse medo. É, medo de ser só mais um amor de verão, medo da chegada do outono. E se a flor caíss

Reflexões Tardias

Tenho me tornado cada vez mais livre e, no entanto, menos libertário. Eu quero voltar atrás. Só consigo perceber agora que o câncer que tanto te aflige, este que te faz tão mal, não é contagioso, mas, pelo contrário, sempre esteve presente em mim. Só consigo perceber agora que tua presença era o alívio e que agora ele cresce solto, em ritmo acelerado, e eu tenho me transformado mais em você do que você própria. Eu, que antes renegava analistas por me gabar da auto-compreensão, agora os suplico em cada cidadão comum que me cerca com algum tempo disponível. Sorvo seus poucos segundos e me embriago de palavras vazias buscando apenas a mim mesmo. A medida de que me liberto de pudores, regras e pensamentos limitantes me vejo cada vez mais abandonando a ética e um senso social o qual eu acreditava possuir. Vejo-me um híbrido a optar por sua ruína: a escolher o selvagem, o lobo!, e deixá-lo solto na floresta; a ignorar a consistência dessas árvores cinzas cimentadas. Perco-me cada vez mais e