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Costelas IV

Sereno severo silêncio Alento à alma Saúdo à calma e me sento Sagrado sortimento Qual amálgama! Prefiro aos tons pasteis Romances em papéis Capa dura, coração mole Emoções são montanhas russas Relacionamentos são carrosséis Sou um parque de diversões fechado Em um porquê de dimensões extensas Cordas tensas, coração calado Desfruto meu manjar, alheia aos pecados, Faço jus à minha crença Sou esfinge e sou quimera Sou Bela e Fera sem bula Adula & Venera: "Decifra-me ou devoro-te!" Eis a GULA.

O Décimo Terceiro Ovo

De repente aquela súbita vontade de comer omelete. Dez horas da manhã e eu nunca gostei dos americanos, mas hoje é um dia à parte. E quando abro a geladeira para pegar os ovos noto a bizarrice: um deles brilha. Nada muito chamativo ou fosforescente, mas era um ovo nitidamente diferente dos demais, um pecado. Pego o ovo com cautela pensando poder estar podre, e qual a minha surpresa também com seu peso estranho. Que ovo pesado! E apesar de tudo, não tinha qualquer cheiro diferente dos outros. Fico pensando se ele não é de outra granja, se a Paula, minha esposa, não quis fazer uma gracinha e comprou alguns produtos mais finos para alguma receita especial ou algo do tipo. Descarto a hipótese, é a Dona Júlia, nossa secretária, quem vem fazendo as compras alimentícias e ela não gosta de coisas caras, quem dirá ovo chique. - Alô, Dona Júlia? - Ô Seu Luiz! Tava mesmo pensando no senhor. O trânsito agarrou aqui, ônibus cheio, mas eu já tô chegando, viu? - Sem problemas. Mas me co

O mar não recusa o rio

Entrego-me às ruas da cidade sob o Sol da manhã. A brisa leve conduz meu velejar em meio a outros navios, distraídos, mas não com a paisagem. Não digo que perdem o melhor, pois não sei deles. Aliás, não digo nada, nem mesmo o que acho que sei por que também acho que não vem ao caso. Nada é preciso, exceto navegar. O vento da manhã não uiva, ele sussurra doce e suave, mas a maré brava ofusca seus dizeres com movimentos bruscos. O mar não está para peixe, quem dirá para banhistas. Deixo o timão solto, livre de minhas mãos. Quem é o capitão perante a condução dos ventos? Aprecio o velejo sereno. As crianças são meus cúmplices, elas navegam melhor do que seus acompanhantes, com um sorriso no rosto que me diz já terem voltado de meu destino com o tesouro que busco. Seu cumprimento silencioso é um presságio, a benção que dispensam àqueles de alma grande. Aos demais, sua indiferença típica, que dói estranhamente. Já me doeu, não mais. Retribuo um sorriso que é apenas um ensaio, e

Alforria

Segue teu caminho Soprou-me o anjo da encruzilhada Que não me revelou mais nada E fez-me saber sozinho Eis o livre arbítrio manifesto! Fatalidade é o que acontece Fidelidade à minha prece De sobra o resto Mas trai-se em tais excessos Pois que suscita o incerto Quando sucede, de perto, Apenas a vida e teus processos Explico em meios-termos: Há o justo e o incompleto, Há Deus além do feto, São caminhos um tanto ermos...

Exconjuro

Quem dera ao descuido ser significativo Ai de ti! A vontade é o crivo Pois há amor; e há sucesso E há verdade nestes versos

Borrão

Caem os cílios, a tinta, a água A mágoa permanece, não verte O silêncio é ouro. Mas também é prata barata, Ou menos. O absurdo é tudo em estantes Mudos instantes Mundos distantes Antes Depois. A eternidade é curta Se bem que Inédita. Pois É.

Diário

Meu verso não vale ouro, é matéria comum. Emprego-o diariamente sem distinções de contexto ou vãs pretensões de guardar palavras para discursos ou sermões. Criação instantânea, ininterrupta. As palavras dão vida aos sentimentos e a saliva é o combustível da imaginação, embora a vida só seja possível pelo silêncio. O poeta só o é por saber caber; mas e a poesia dos dias, cabe-o apreciar? Quanto de silêncio há na pausa, e que é que regula o tom, se não o não? Pois, de outra forma, dicionários apenas. Além de forma & gênero há vida a ser floreada não peço que não seja simples, muito pelo contrário.

Costelas III

Nada por menos. Tenho meus planos, plenos de detalhes, Mapas à Vênus, Entalhes artesanais E meus venenos habituais. Nutro pequenas relações comigo Aceno às multidões, enceno perigos Dramatizo questões as quais nem acredito Personifico mitos Em elaborados ritos de solidão. Solidifico personagens Importo paisagens em ilustrações ilustres Lustro imagens que tenho de mim Ao espelho torno-me afim, Visto roupagens, proclamo festins, enfim! Anfitriã em meu teatro ilusório Forjo ontens e amanhãs, um divã, um laboratório Do simplório ao titã Artesã, E não santa de oratório.

Tecido

De começos e tropeços a fins de fios mais espessos e entrelaçados. O destino é uma bola felpuda, quase indecifrável, que pede delicadeza em seu manuseio para não se perder o fio da meada. Quem quer partir uma linha, iniciar uma rinha consigo? Os fins até justificam os meios, mas quem vive de justificativas? A moral não cede à oratória, mesmo à de argumentos floreados e recheados, como uma persuasão intimista, invasiva. Ter-se ao tecer: que sejamos maiores que o descuido.

Contratos

Canções cauções, Compostas de convicções comedidas Que é para agradar o coletivo E não ao coro interior. E um cortejo póstumo.

Costelas II

Servem-me ou sorvem-me? O sutil se suscita, precipita-se, severo. O delicado exige esmero; detalhes nunca pecam por exagero, desde que sinceros. Dos contos, os pontos primordiais, as frases viscerais, palavras com seus devidos sais e temperos. Livrai-me dos demais números... Do Belo e dos belos, me melo e atropelo, atrapalho-me. Mesclo sentidos e intentos, tento me recompor, acalmar o tambor, aplacar os ventos, ao relento! Prazeres sem prazo, sem pressa... Que me jure o acaso, mais nenhuma promessa! A véspera grita o rio raso, e eu prefiro o vaso cheio a uma bacia e uma ilha ao meio.

Costelas I

Vim de um fim passageiro, passageira dos sins e nãos da vida, cortejada no centro e esquecida na avenida pelo motorista ávido. Vim de mais um romance incerto, certa de que por perto só quero a mim. Enfim, mais um aperto no coração e a sensação da sôfrega solidão, porém alívio. Vim vindo, vendo as paisagens. Vendo mais do que imagens, tudo o que me resta, que não é muito, mas dá para saciar aos olhos. E algo mais, talvez. Vim de contos avulsos, sou alvo de impulsos alheios, prato cheio, acompanho passeios com o certo receio que todos têm na tez.

Calão

- Eu tenho vivido situações que se eu te contasse você não acreditaria. - Por que você não tenta? Talvez eu acredite... - Mas talvez, se eu partilhar minha fascinação, posso perdê-la. - Ou talvez você possa contagiar-me. Seria interessante. - A curiosidade tenta o casto. Há um tanto de luxúria em dizer mais que o necessário. - Você já pecou hoje. - Sim, perdoe-me pelo diálogo impertinente. - Incômodos à parte, o perdão é arte. Eu só não entendo essa sua resistência em se abrir para os outros... - Não é questão de me abrir, é questão de banalizar algo sagrado. Eu não sei se eu teria vocabulário para convidá-lo à minha galeria experiencial sem que a visita se tornasse algo tedioso. E a questão não é o que você vai experimentar, mas como a sua experiência afeta a experiência primária. É uma relação ambígua onde causa e efeito diluem-se, perdem suas definições. - Mas, ao mesmo tempo, você sente esse impulso de querer exibir o belo. Seu belo. Sem saber se ele só o é, re

IV*

(*) O contexto acabou encorpando-se muito mais do que o esperado, portanto os títulos serão numerações em algarismos romanos. Fascículos anteriores:  a conclusão de um capítulo ,   passagens de uma história nunca escrita  &  outras passagens . E nunca ousaram perguntar-lhe quais as dores e as delícias  de se poder fabricar sonhos.  Mas ele as sabia bem.  E as enumeraria  assim que fosse necessário.  Tudo em seu tempo.  Estraño . Dúvidas deixam sombras marcadas. Da mesma forma que o sol do meio dia o faz sobre a pele do trabalhador rural. E o imaginário popular inquieta-se diante das questões levantadas em voz baixa. Por que, nas vilas, gritam-se apenas os preços da feira, que já não interessam a ninguém. E quanto às fofocas, o alvoroço de uma cidade ávida por compartilhar aquilo que não lhes pertence. Afinal, de fato, o que é seu é meu, e esta é a lei da selva. Quando adentrou à cidadezinha aquela figura inusitada a curiosidade se manifestou instantaneament

Informalidade

Amores de corredores passageiros como as cores do arco-íris quando cessa a tempestade O céu aberto, límpido, revela a majestade; a moça um sorriso de quase-intimidade.

Emenda

Ponto em que duas peças se juntam. As palavras que escrevo ondulam na folha branca. Resolvi rascunhar como prova para posteridade. Acho a caligrafia mais sincera e romântica, então achei oportuno. Não garanto que seja mais bonito, mesmo por que as rasuras você não verá, mas as palavras ajuntadas na tinta azul, em meus traços tortuosos, me enchem os olhos e preenchem este vazio que as poesias de hoje possuem. Tomo cautela com o simples, pois o sei voraz: síntese de tanto, palatável apenas ao apreço, custa caro. Assim se faz o Amor ao leigo de muitas palavras, inexprimível. Mas eu tinha de rabiscar o papel. Deixei marcado o seu nome nas entrelinhas, e só esta frase atestada – dispensável, eu acho.

Os Outros

Dizeis-me incompreensível Ó, não achais que este é um privilégio apenas teu! Não me entender é muito fácil: Exige apenas um punhado de conformismo E a ausência de empatia. Viver para si é honrado Mas, por vezes, Resulta em indelicadeza. E é preciso ser delicado para apreciar-se. Entender-me, porém, também não é vantagem. É pressuposta a liberdade que os arrogantes acham que detém E liberdade diz respeito a uma profundeza de espírito tão aquém do mundo Que diz muito sobre incompreensão.

Âmago Amargo

Severo, pois vês-me as sombras da face e lês as linhas dos calos. Rude quando a voz é velada e a frase é curta. Felizes os mistérios, que ganham o mundo sem desnudarem-se e povoam as bocas pelas fantasias. Pois não seria o deleite mera provocação? Íntimo, além de mim. Quando desconheces-me é quando sou; E quando sou, uivo.

Desuso

Você não quer ser vulgar. Eu não quero ser trivial, posso ser usual. Precário. Há êxito em ser notável! Depende pelo quê . Diálogos são mais fáceis... Mas este não é um diálogo. É um monólogo. Não está vendo que não há aspas ou travessões? Mas por que isso agora? Você estava abusando das regras. Como abusando das regras?! Você estava criando muitas personagens e deixando-as soltas por aí. Ninguém quer vagar a esmo, ser personalidade errante. Você não pode simplesmente animar as palavras e depois desanimá-las... Mas eu não as desanimei! DESÂNIMO, tédio, ócio. Entendeu agora? Insatisfação? Sim, legítima. Como assim?! Como não? Questione suas criações, ó céus! Eu sei como elas se sentem! Ledo engano!  Sabe do contexto, não sabe do abandono! Enfim, elas alegam invalidade. É grave? É uma espécie de rebelião. Você sabe, as palavras são perigosas... Sei. Bem, eu poderia... ajuntá-las todas numa única história, meio que unificando o contexto delas... Uma intertextualização, literalm

O que é, o que é?

A princípio era o mais distante dos distantes. Posteriormente, foi o mais próximo dos próximos. Agora já não usa de superlativos E depois não se valerá nem de metáforas.

Oratória

Os homens usam de palavras bonitas para ilustrarem seus caprichos contrários às leis da natureza, mas calam-se ao depararem-se com o silêncio universal, que é a linguagem dos anjos - tão bela quanto irrefutável.

Ritmo

- Houve uma época em que eu achava que tudo isso era um grande desperdício... - Tudo isso o quê? A feira? - Não só a feira, a vida como um todo. As pessoas, as artes, o trabalho, tudo. Houve um tempo em que eu não via sentido nas coisas senão em fazer exatamente o que eu quisesse, da maneira como eu quisesse e no tempo em que eu bem entendesse. Achava que a vida era muito curta e a última coisa que eu queria ser era um mártir. - A inconsequência é o combustível da juventude. Isso é normal, as grandes personalidades passam por essas turbulências... - As grandes personalidades são apenas mais um desdobramento dessa mesma mediocridade. Aliás, só o fato de serem grandes personalidades já é o suficiente para ridicularizá-las, quando a expressão ingenuamente nos diminui! Penso eu que quem é grande não subjuga ninguém, muito pelo contrário. - Eu só quis ser gentil. Você sabe, não há neste mundo que justifique o remorso... - De fato. Mas já parou para pensar o quão engraçada a v

Sugestivo

Carlos havia se cansado da timidez. Eram companheiros, ele bem sabia, e honrava a dádiva da invisibilidade como podia, mas quando viu-se passar desapercebido até pelos seus próprios pais, viu o fardo que carregava. Era um garoto bastante observador e não ser notado nos ambientes era um benefício, porém ele estava certo de que não queria ser uma sombra pelo resto da vida. O voyeurismo até tinha suas vantagens, mas Carlos buscava interação, algo mais dinâmico. E foi pensando em como poderia socializar-se mais facilmente que encontrou uma solução bem-humorada: incluiria o mundo que o cercava num jogo de esconde-esconde. A decisão de Carlos não o fez mais perceptível, mas estimulou-o a lidar com as pessoas que só o notavam tardiamente no mesmo local que elas. Por vezes, ele já dividia o ambiente com alguém há horas e só então vinha o susto de estarem em sua presença: “Ó! Você está aí?!”. A surpresa das pessoas o divertia e ele imaginava como elas podiam se distrair tão facilmente ao

Conduto

Quem foi que se perdeu em meio à minha selva e acabou emaranhado em meus galhos tortuosos? Fez-se mais selvagem que o mais estranho personagem e aderiu ao jogo perigoso. Quem foi que, atordoado com a frase bem tecida, recriou a sua vida em detalhes rigorosos? E acabou por ver-se pontuado com esmero, e no que achava leviano viu o quão laborioso.

Réplica

- Você se machucou? - Não, eu estou bem. Até então... - É uma pena... Digo, o espelho ter quebrado. - Sim. Penso que as coisas vão piorar daqui pra frente, então um espelho quebrado é pontual para marcar o início de uma desgraça. - É um começo... Mas acho que as grandes tragédias não devem principiar-se com a queda de espelhos, por que isso lhes tiraria o mérito. Além disso, marcos são exclusivamente voluntários, entende? Como os brindes: o estalar das taças só tem valor por que atribuímos a ele. - Obrigada, mas você não está me animando. - Pois bem, você acredita em acaso? - Já acreditei. - E o que a fez desacreditar? - A lógica. - Então tenho o prazer de conversar com uma desperta? Isso é bom! - O que você quer dizer? - Bem, a grande maioria das pessoas decide sua crença arbitrariamente, quase que irresponsáveis, e é isso o que faz de seus pensamentos meras crenças e dá à palavra o sentido denotativo que experimentamos hoje. No entanto, toda e qualquer conc

Éter

Um dia nos damos conta De que tudo é sobreposição Aquém do íntimo, apenas ilusão. O que é, afinal, Um Teatro de Sombras, Se não a própria imaginação? As arestas podadas voltam a crescer, Numa vã rebeldia pontiaguda. E no aparo, o amparo. Quando os ímpares vêm-se pares.

Inacessível

tentativa não é atentado. & alienação de Vontade é desejo frustrado. Sorte: e nem assim.

A Amanda e o Amando.

Não era lá um Amor, posto que este pressupõe algo muito definitivo. Mas era um Amando, com seu gerúndio indefinido e seu prazo de validade a contar...

Empatia

"Eu sou o que dá certo" Palavras que nunca foram proferidas, mas que atribuo àquele que dialoga pelo espontâneo. E se o faço, bem sei o que faço, Pois eu também sou o que dá certo. E este é, sempre , só mais um começo...

Desaire

Imposições encurralam-nos em interjeições, seja em expressões, vícios de linguagem, ou em bordões não há mais espaço para condimentos ou condições. Vivemos em polaridades sem saber nos contermos e desconhecemos a comunhão conosco. O deslize leva-nos às extremidades num desequilíbrio vicioso. E sobram-nos conselhos, pois faltam-nos espelhos. As frases publicitárias bordadas em blusas que se contradizem constantemente são a propaganda de um mundo em inércia que não sabe se "relaxa e goza" ou se "corre atrás de seus sonhos"... Caso a indecisão persista, fique atento às etiquetas.

Fértil

Somo quando semeio anseios de sermos como somos: Mais que meios, mais que donos de pedaços, traços ou riscos. Opero em equações diretas, equalizações de velhos discos. Ópera em esfera popular, façamos de risos riscos! Ricos em pedaços, recortes de tempo-espaço intato Inato floreio ao Sol que nos cerca: que eu me perca além da cerca...

Esfinge

Decifra-me. Ela sabe de alguma coisa que eu não sei. A forma como ela mede o mundo com os olhos e o sorriso silencioso que dispensa a cada pessoa que cruza seu caminho me deixa intrigado. Sei que ela não quer nada com ninguém e sinto até algum desprezo pelos demais em sua postura que revela sua superioridade implicitamente. De simpatia sutil e distante de todos, ela passa despercebida diariamente. Introvertida em seu humor enigmático, a voz dela é quase um mistério. Seria uma ordinária garota tímida, não fosse pela segurança que seus passos lhe conferem. Seria, para mim, mais um rosto familiar do cotidiano, não fosse aquele olhar cauteloso que me desconcerta em especial.  Ela sabe de alguma coisa, eu sei.

Vulgar

 “[...] a experiência visionária é algo que transcende as palavras e deve ser evocada por percepção direta, sem estágios intermediários [...]” Portas da Percepção – Aldous Huxkley Muito já foi dito a respeito de que os dizeres não chegam ao muito. Palavras nunca são suficientes e diz-se demais querendo se dizer menos. O estado de síntese ao qual nos condicionamos, vivendo de representações e símbolos que imaginamos resumir nossa experiência é incompetente nas traduções de nossas situações cotidianas. Mas mesmo essa percepção não é inédita e a própria contradição já está instaurada estruturalmente em nosso padrão comportamental. Digo isso para chegar às palavras importadas e aos conceitos que perdem seus sentidos quando tornam-se sintéticos – de tão sintetizados para serem transmitidos exotericamente . Quando se especula de que existem conhecimentos presos e que não são todos que têm acesso a eles eu entendo como uma inferência à possibilidade de não possuirmos tudo o qu

Achado

Eu só tinha alguns trocados no bolso e a vontade de levar-lhe alguma coisa. Quando roubei aquela rosa, pensei que cometia o maior pecado do mundo. Roubava-a da  praça para levá-la comigo ao meu amor. E me quedei a pensar que longe dos olhares do público ela encantaria somente à minha garota e que talvez este fosse um ato de egoísmo exacerbado e que fosse uma pena que os demais não pudessem vê-la depois de meu crime. Mas pensei também que estes não poderiam ver o seu sorriso e a sua surpresa, tão mais sinceros do que os olhares dos passantes, que talvez nem notassem a solitária rosa, distraídos que são em suas caminhadas pela praça. Então indaguei-me o por que de aquela rosa ter sido plantada ali. As flores cumprem seu papel estético? Tornaram-se meros elementos decorativos? E alguém chegou a pensar na função poética da rosa? Pois quando um amigo sugeriu-me este ser o ato mais romântico que ele podia pensar, soube que a dor da privação coletiva é a concepção da poesia. E qua

Transição

Imagem
Vão se os Peixes, fica-se o Aquário.

Opaco

O vidro da janela está extremamente sujo, mas ele só se dá conta disso quando interrompe seus pensamentos, olhando além do que há para ser visto em busca de inspiração. O horizonte turvo, mas pela névoa que impede o tato de seus olhos. Não há muito para ser visto ali, mas a sensação de poder ter contato com o exterior é o suficiente para que ele elabore suas ideias em seu cubículo cotidiano. Ele não reclama da vida. Exceto quando não encontra ideias. Ele vive de ideias e precisa comercializá-las para continuar o seu trabalho, então ele acha chato quando se depara com essa situação de abstração, mas é apenas pelo fato de perder um pouco de seu tempo tentando reconstituir um estado de espírito que ele chama vulgarmente de criatividade . Ele não é criativo de fato. E ele também não se sente mal por sua inação que marca os ápices de sua vida. Ele nem liga de referir-se à sua vida no singular, sendo constante demais em tudo para poder vivenciar outros túneis de realidade. Resume-se

Imemorável

Ao orador que não decorou o que havia de ser dito. Logo eu, que não aprendo por repetências, mas na análise do conjunto. E quiseram fazer de mim o astro principal, com palavras anexadas à boca que deveriam ressoar mais do que minha própria voz. Logo eu, que não abro mão de reticências, e em conformidade com minha essência, digo o que quero sem palavras de outrem! E ai de mim, das palavras minhas, que mesmo compostas, hão de ser mutantes: adaptam-se aos públicos. Não, não sou eufêmico! Não me leve a mal, mas não me parece justa a proposta de amenizar a dor de quem escuta uma verdade. O que faço é aliar a vibração das letras com o que o ambiente pede. Não lido com estes discursos prontos, não sirvo de intérprete, nem sou mediador da experiência de uma plateia que não teve competência para chegar às suas próprias conclusões. Exalto-me em altos e baixos e encaixo-me nas lacunas que vão chamar de silêncio, mas que vibram mais do que as curvas dos esses ao denominarem plurais e

A Conclusão de um Capítulo

Quando a história escreve-se a si própria. Mais citações de uma história nunca escrita  e outras passagens . - Conte-me sobre os vendedores de sonhos. - Esqueça. - Por que? - É querer saber demasiado, jovem. Já não é mais data de falar sobre isso. - Ouvi histórias de entusiastas pela vida fácil. - Que seja. Todo mundo quer se livrar das dificuldades, isso não é pecado algum. - Pois bem. Mas andam se afirmando vendedores de sonhos e eu soube que o senhor mantinha algumas estórias em sua memória. Eu gostaria de ouvi-las... - Minha memória vai mal. E falam muito por aí, veja só o que você escuta! Considere ainda que vendedores por vendedores, deles o mundo anda cheio. - O que quer dizer? - Veja bem, há uma grande diferença entre os Fabricantes de Sonhos e estes vendedores dos quais você me fala. E, a não ser que você tenha escutado errado, vendedor de sonho é qualquer publicitário ou ilusionista, alguém que te estimule as expectativas com uma oratória boa. - De